top of page
  • Foto do escritorColetivo CEDA-SI

Essa Paz cheia de Lucidez By Thaís Cordeiro

Às margens do Lago Paranoá, próximo ao Setor de Mansões Isoladas Norte, há um local que parece ter sido tomado pelo esquecimento. Dominado pela vegetação, tomado por lixo e escombros, o que era pra ser a Escola Superior de Guerra se tornou um lugar assustador. Conhecida como ruínas da Universidade de Brasília (UnB), o esqueleto da construção inacabada provoca curiosidade e espanto em quem não imagina existir algo do tipo na capital do país.

Por conta dos muros, com cerca de cinco metros de altura, a construção pode ser vista de longe. Após uma caminhada por dentro da vegetação de cerrado, é possível acessar o local. Logo na entrada, dois cachorros guardam as ruínas. Tímidos, porém receptivos, os bichos permitem a entrada de quem passa. Apenas um rosnado alerta que não é necessário contato com os animais. Escadas subterrâneas, pichações e os mais variados materiais descartados marcam a paisagem.





É isso mesmo, uma escola superior de guerra que teve sua construção iniciada e abandonada na década de 70. Que simbólico. Aproximadamente 48 anos depois, democraticamente, os brasileiros elegeram um presidente que acredita e defende o armamento, o militarismo, a violência, a tortura, o fascismo. Aqui, em meio ao lodo, encontramos um livro, o qual pensei em se tratar de uma bíblia sagrada, mas não. Uma constituição de 1970. Ela resistiu naquele lugar, naquele abandono, naquela sujeira, no lodo. Ela resiste.

Olhos atentos, corpo disponível, alerta, há perigo no espaço, por todos os lados brota insalubridade. Exploro o abandono com o coração acelerado, duas horas com o coração disparado, tensão, atenção e cuidado. O coletivo se apoia, se cuida e se protege. Nos olhamos com preocupação, ninguém fica para trás, há força e generosidade.

As ruínas são um grande esqueleto, um grande vazio. Um paradoxo que me confunde, há tensão pelos perigos do espaço, mas há tranquilidade. Tranquilidade do vazio, apesar dos vestígios de que em algum momento foi visitado, silêncio e espera. O conhecido clichê da dualidade do ser. Esqueleto arquitetônico, esqueleto humano ou animal, não soube identificar. Muitos ossos espalhados revelam que ali ouve vida, houve morte, houve sacrifício, houve ritual, houve magia. Osso, ovo, ninho, sebo, lixo, vidro, água, mato, grafite, ferro, pedra, escombro, concreto, areia, colchão, cobra, pássaros, cachorro, sol, lodo, muro, musgo, natureza. São muitas informações e sensações que me atravessam, me transformam e me violentam. Uma escola superior de guerra? O ser humano me assusta, me dá raiva. Quero mover meu corpo e este espaço, neste espaço, não me sinto vítima, pelo contrário, sou força transformadora. Quero correr e gritar. Aqui ninguém ouve, fora daqui também. O eco se propaga na imensidão vazia desse esqueleto imundo, os bichos correm. Eu correria também.

Vejo-me comendo uma cebola naquele espaço, ela me instiga pela sua acidez, por ser “ardido”, por fazer brotar lágrimas involuntárias, por me remeter as camadas de (in) consciência, de forma que seja estabelecido um encontro com o meu íntimo. E ingeri-la em cena subverte todo um sofrimento, simboliza aceitar o pertencimento a um sistema opressor, sorrindo. E sorrir em cena, com tudo isso latente por trás de um sorriso, é uma sutil violência.

bottom of page