top of page
  • Foto do escritorColetivo CEDA-SI

Onde os fracos não tem vez by Louise Lucena

Atualizado: 4 de dez. de 2018

Parque da Cidade

Praça das Fontes

28/10/2018


A decadência do ser

Espelho sendo espaço

Silêncio e vácuo

Mais que vazio

Olhos que ninguém vê

Sendo somos observados

O peso na nuca com peso de pedra pesada

O vento avisa

O sol castiga

A visão cega

Protege

Expõe

O animal em casa

Corpo mente espírito

Corpo vivo

Corpo sendo corpo presente no invisível

Corpo medo

Corpo “impuro”

Corpo marcado

Expulso

Negado

“Esquecido”

Corpo matéria

Terra

Aqui fomos pedras.

O lugar que procura por reconhecimento, áspero, em avidez, agride ao suplicar. Vendo sem ser visto, o espaço nos consome ao entrar. Um ambiente feito para circulação e pausa, se converte em ar, pulveriza-se e morre. Se transforma. Bicho, coisa, animal. Casa dos espelhos, reflete o que não quer ser visto. Como neblina, cortina-se para nos descortinar. Fragiliza. Convence. Esgota. Vida que se encontra com a morte e gera vida e gera morte. E vive. E mata.

Então, juntos fomos mais fortes. Juntos conseguimos. Juntos chegamos e saímos. Juntos nos acolhemos e desbravamos. E juntas sentimos. O que é ser mulher? O que é ser mulher aqui e agora? O que é liberdade? Nina Simone diz que liberdade é não ter medo. O quanto somos livres?

Enquanto mulher, dentro de uma sociedade machista ocidental, eu sou levada a acreditar que nasci em uma sociedade livre e democrática. No entanto, para que isso fosse possível, eu deveria seguir algumas regras e normas sociais. Deveria buscar a beleza, discrição e manutenção da instituição familiar. Não andar só. Nem com roupas curtas demais. Evitar ambientes pouco frequentado por outras mulheres. Ser gentil sempre. Paciente e amorosa. Inteligente, atraente, educada, ativa e companheira. Jamais dizer não a um homem. Suas vergonhas são suas vergonhas. Entender meu papel social e a culpa inerente ao meu ser por ser quem sou. Produto da cultura e sociedade dominante.

Mesmo que fizéssemos tudo isso, ainda sim, não haveria liberdade possível. Porque o segundo sexo? Porque primeiro? Porque dois? Nilton Bonder, em A alma Imoral, mostra outro olhar sobre a mulher e o papel que exerceu dentro da história e sociedade judaico-cristã. Parte do princípio que precisa haver um estado de transgressão para a manutenção da existência humana, e que esse papel foi designado às mulheres. A partir de suas transgressões e estratégias de sobrevivência, da crença em uma manutenção da linhagem e existência familiar, muitas mulheres, por amor, medo, ódio, ousadia, fé, transgrediram a si mesmas, se despedaçando para se reconstruir a seguir, e salvar seu povo.

Fato ou mito, onde nos encontrávamos, como a serpente de Eva, o meio nos sondava mostrando seu poder e perigo. Perigo presente na mente corpo que entende o código social acionado. Corpo ancestralidade. Corpo memória. Corpo cultura. Corpo crença. Corpo experiência. Corpo objeto. Corpo carne. Corpo tudo. Corpo Nada.

A violência contra a mulher e sexual nunca foram tão sádicas e presentes na contemporaneidade. Arma e política de guerra. Códigos de poder. Manifestação de poder. Poder, sinônimo de passabilidade, igual a liberdade que em nossa cultura ocidental se adquire através do terror, medo, política da violência, controle e repressão. Não estou falando de passado. Presente. Andamos em linhas retas ou em círculos? Resiliente, imoral, amoral, fonte de criação, sustenta o mundo sendo serpente. Será que é coincidência tanta “conquista” feminista com o aumento da violência?!

Se fôssemos o rei do conto do rei nú, ao sermos descobertos, na ilusão de nossas crenças, o que teríamos feito? Quem entregou a farsa? O menino! Símbolo da inocência, da minoria, ingenuidade, semi-humano, semi-gente, semi-corpo, meia-vida, meia idade. O menino via como todos. E o menino por compreender ser menino, se apossa de sua meninice e descortina o rei. O menino nunca foi semi. O menino sabia disso. Quem não queria saber eram os “Outros”. Sendo quem somos e existindo, a aparente cegueira dos “Outros” é forçada a nos enxergar. (Re)existimos. Presentes. Presença. Ocupando o vazio, sendo ocupado por ele. Estratégias. Almas imorais. Almas imortais.

O medo repeliu a todos nós. Traduzido em desconforto, a tensão se torna tônus, respiração inflamada em um ar denso que sufoca. Coração acelera. Corpo transpira. Resfria para aquecer. Procuramos conforto nos detalhes. O ego se esforça para nos acolher. O instinto não permite. Vence. Aos poucos, a quantidade de informação vai se assentando. A sobriedade vem. O peso fica. A realidade se desnuda. Nos acompanha. Nos força a ver quem somos. Questiona. Choca.

No limiar entre tudo ou nada, o salto no vazio de Yves klein, conclama a liberdade. Na aparente loucura, a fissura, ruptura, rachadura no paradigma da verdade, nos leva a compreender o poder-milagre da fé, dentro da esfera do incompreensível mas completamente crível, presente na vida e na existência. O ato de fé, expressa loucura e coragem. Ousadia. O que seria do mundo se não houvessem loucos para nos alertar das nossas loucuras? O que é ser louco? O que é loucura? O que é razão? O que é verdade?

Pensar cansa. Dói. Traz prazer. Mudança. (Re) conhecimento. Movimento. Pensar se tornou perigoso. Dizem que o conhecimento liberta. Ele não liberta. O que fazemos com o conhecimento, liberta. Isso passa pelo pensar. Pensar todo. Pensar corpo. O corpo pensante. Vivente. A responsabilidade que vem junto com a escolha, inerente à vida e existência, é maleável. Pode ser nada, pode ser tudo. E isso também é uma escolha. Também passa pelo pensar. Também é corpo.

Se caminhamos em círculos e estamos seguindo para o nosso início, a morte e a dor não deveriam nos atemorizar tanto. No entanto, a questão é a idéia e sensação de esquecimento e inexistência que acompanha a idéia de morte que nos amedronta. O que é não existir? O que é a existência? As microviolências sociais, assim como a aspereza ávida de reconhecimento, espelha o reflexo do que nos tornamos. Nem bom ou ruim. Bem x Mal. Sem nos julgar. Nos deixou a escolha para lidarmos sozinhos com nossos próprios julgamentos e atos. Nos trouxe o maior presente, a possibilidade de nos conhecermos e assim existirmos.


bottom of page